quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Bruno, o confidente

Bruno entrou no refeitório apressado. Tinha muito trabalho a fazer, por isso não estava disposto a gastar mais que vinte minutos de seu horário de almoço. Pegou a fila, que começava a se formar, fez seu prato e sentou-se sozinho à mesa. Engolia rapidamente, quase sem mastigar, até que uma determinada conversa, ouvida sem querer, chamou-lhe a atenção:

- Amiga, o que eu vou dizer aqui fica aqui, ninguém pode saber, nem por decreto!

- Você sabe que pode confiar em mim.

Duas mulheres, nos seus vinte e poucos anos, conversavam em uma mesa ao lado da sua. Bruno estava concentrado em terminar logo seu almoço, mas não pode deixar de ouvir as confidências entre as duas, que, apesar de secretas, podiam ser ouvidas a cinco mesas adiante. De repente, Bruno se viu envolvido pela conversa e apurou os ouvidos, curioso que ficou pela segredo da outra.

- Eu não tenho certeza se estou grávida do Gustavo.

- Como assim? Você já tem barriga e tudo! Como não sabe se está grávida?

- Não é isso. Eu estou grávida, claro! Só não tenho certeza se o Gustavo é o pai.

Bruno levou as mãos à cabeça, inconscientemente solidário com a angústia da moça e do suposto  pai da criança.

- Antes de eu e o Gustavo decidirmos que estávamos namorando de verdade, eu estava saindo também com o Renê e o Luiz. Foi mais ou menos nessa época que eu engravidei. E agora não sei realmente quem é o pai. Estou aflita!

- Nossa, amiga, se tem algo que sua vida não é, é monótona! Três? Nossa!

- Sério, Renata, estou em pânico! Quando começamos a namorar, deixei o Luiz e o Renê, mas logo depois me descobri grávida. O que eu faço?

Bruno terminou seu prato, mas não conseguiu levantar-se. Viu-se envolto naquele drama. De repente, seus compromissos no trabalho já não pareciam tão urgentes.

- Mas Malu, você também, né? Saía com três e não se protegia?

- Claro que sim, pelo menos a maior parte do tempo. Uma vez ou outra, não. Mas para de me dar bronca, não te contei para você ficar aí bancando de guardiã da moral e dos bons costumes. Sério, me ajuda, não sei o que fazer!

Bruno olhou em volta. Ninguém mais ouvia aquelas confissões? Se as meninas falavam tão alto! Havia vários grupos nas mesas ao lado, mas ninguém realmente parecia prestar atenção nas garotas. Todos pareciam absortos em seus próprios dramas. Como ele queria não ter ouvido aquela conversa. Deveria ter comido rapidamente e ido embora. Agora estava ali, preso a uma história alheia a si. Deveria simplesmente levantar e ir embora, afinal, aquele não era um problema seu. Mas, por algum motivo, simplesmente ficou onde estava.

- É, Malu, não sei o que dizer. Você está bem encrencada!

- Renata, você não está ajudando aqui!

- Desculpa, amiga, é só que é complicado. Mas vamos pensar: quais são as opções? Contar ao Gustavo e ver a reação dele, ou deixar como está, e correr o risco de ele descobrir mais para frente? Acho que, de qualquer forma, ele ia ficar muito bravo.

- Eu já pensei nisso tudo. Em ser honesta com ele, e correr o risco de ele terminar tudo e eu ter de criar meu filho sozinha. Ou em continuar com o segredo, sabendo que ele pode desconfiar depois. Mas, vai que o filho é mesmo dele, todo esse sofrimento será à toa.

Bruno pensou como seria o tal Gustavo. Imaginou-se no lugar dele. Ele, Bruno, iria certamente ficar bravo. Vislumbrou-se sentindo a alegria de ter um filho, misturada à decepção pela possibilidade de esse filho ser de outro. Maior que a traição em si - já que a moça garantiu que ficava com os outros antes de eles namorarem - era o sentimento de ser enganado quanto à paternidade. E as outras pessoas dessa história, além da tal Malu e do Gustavo? E a pobre criança? E os outros dois supostos pais? Maldita a hora em que foi ouvir o segredo dessa Malu. Se pudesse voltar uns dez minutos no tempo.

- É, tem isso, Malu. Vai que esse drama todo é em vão? Se o filho for mesmo do Gustavo, você não precisa fazer nada.

- Mas como eu vou saber que é dele mesmo? Não tenho garantia nenhuma. Ai, estou desesperada!

As duas aumentaram as vozes uns três tons. Se era um segredo, como elas gritavam tanto? Desse jeito, o tal Gustavo ia acabar descobrindo, cedo ou tarde. Será que naquele refeitório não havia um amigo, um colega desse Gustavo? Ou o próprio Gustavo não poderia entrar ali também? Ou os outros dois, como eram mesmo os nomes? Ah, que importava?

Bruno não fazia parte desse enredo. Pensou na mania que as pessoas têm de espalhar seus segredos, suas dores, suas angústias ao vento. Era como se aquele refeitório, ou o mundo, fosse um enorme divã. Os terapeutas eram qualquer um que estivesse disposto a ouvir. Como a Renata, amiga da Malu. Ou ele, Bruno, que fora sugado sem querer por aquela conversa logorreica. Só que Bruno não estava preparado a lidar nem com suas próprias dores, que dirá com as de desconhecidos. Não, ele não queria continuar ouvindo. No início, confessara mentalmente, fora tomado por curiosidade, mas, como dizem, a curiosidade matou o gato. O problema de Malu, Gustavo, Renê, Luiz e do bebê consumira-o, tirara-lhe as energias naqueles breves vinte minutos em que participara como um confidente secreto das duas meninas.

Levantou-se para pagar a conta e ir embora. Ainda pode ouvir Renata dizer a Malu para acalmar-se, que ela iria encontrar uma solução. Que, naquela hora, tudo de que ela precisava era descansar um pouco a cabeça, para não prejudicar o bebê. Bruno saiu do restaurante rumo ao trabalho, para tentar seguir um dia normal.

No dia seguinte, voltou ao mesmo refeitório de sempre, mas, dessa vez, preparado. Carregava consigo fones de ouvido, a fim de não ser sugado pelos problemas alheios. Olhou rapidamente o salão do refeitório, para ver se localizava as duas meninas. E as viu, na mesma mesa do dia anterior. Decidiu, naquela hora, que sentaria bem longe.

Pegou a fila, fez seu prato, pesou-o e foi tomar assento. Olhou o grande salão, ainda com vários lugares vazios. Tinha muitas opções. Mas, por impulso, acabou indo sentar-se perto das duas garotas. Mentalmente, brigou consigo mesmo. Guardou os fones na mochila e apurou os ouvidos. Tudo bem, ele não era forte como queria. Mas já não podia ficar insensível àquela história. Ouvira muito. O suficiente para quase fazer parte dela. Agora teria que saber seu desfecho.


2 comentários:

  1. Ai, adoro seus textos. hahaha
    É um cotidiano tão cotidiano... são coisas que acontecem do nosso lado que realmente rendem uma história, e você consegue passar isso pro 'papel' com muita facilidade. Adoro ler seus textos! :D

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  2. Haha realmente, minha inspiração toda vem do dia a dia. Que bom que gostou. Obrigada pela visitinha. Bjs

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