terça-feira, 15 de novembro de 2016

Bloqueio


Abro, com determinação, o notebook. Hoje ele será meu fiel companheiro. Embarcará comigo nas histórias mais extraordinárias que minha mente for capaz de criar. Sua bateria aquecerá no ritmo efervescente das minhas ideias. Mas, um instante... que ideias?

Encaro a tela em branco à minha frente. Lembro que, quando comecei a escrever minhas primeiras histórias, não encarava uma tela, mas a folha em branco. Recordo a grafia agarrunchada de quem mal aprendera a juntar as letras para formar palavras. E descobri a magia que elas, as palavras, exerciam. Não eram simples junções de letras, mas significantes com poderes mágicos para mim, capazes de me transportar para as mais diversas realidades. Tudo bem que não tinha a menor noção do que era um significante aos sete anos de idade, mas isso não vem ao caso agora.

A tela vazia continua me encarando. Intimidadora. Quase acovardo-me diante dela. Seria melhor abrir um vinho? Hmm... melhor não, ele pode acabar me desviando do meu objetivo desta noite, que é de criar uma história. Faz tempo que não me entrego ao hábito de escrever. Já quase me esqueço da sensação de prazer que sinto ao dar vida às personagens em um conto ou crônica. Qual é mesmo o neurotransmissor que regula a sensação de prazer? Ah, serotonina. Serotonina me fez pensar em chocolate. De repente, me veio um desespero, uma vontade de comer chocolate. Será que ainda tenho aquela barra de 70% na dispensa? Melhor verificar, um chocolate agora é tudo de que preciso para deixar a mente viajar e criar alguma história, qualquer que seja, já nem precisa ser muito boa.

Saio à caça da minha barrinha. Por sorte, ainda restam alguns tabletes dela. Volto para meu notebook e delicio-me com meu chocolate. Minimizo a tela má enquanto como. Tive uma ideia: vou dar uma googlada e ver se encontro algo que me inspire alguma história. Infeliz ideia, isso sim! Que mundo fantástico e traiçoeiro é o da internet. O que era para ser uma simples e rápida pesquisa durou apenas... três infrutíferas horas perdidas. A internet é como um labirinto daqueles em que é quase impossível achar a saída. E aqui estou eu, sem história, sem ideias, sem ânimo, sem inspiração alguma. Também já sem chocolate e, possivelmente, zero serotonina.

Começa a dominar-me um sentimento de desespero. Olho o relógio, já é madrugada. Tenho um duro dia pela frente amanhã. Minha mente cansada começa a reclamar o sono. Mente cansada e improdutiva. Quatro horas em frente ao notebook e nenhuma linha? Santa incompetência!

Estou a ponto de desistir, melhor ir dormir. Antes de entregar totalmente os pontos, começo a pensar em ideias para alguma história. Nem que seja para escrevê-la amanhã. Que tal uma crônica sobre política? Nossa capenga política interna ou o resultado improvável da eleição americana? Rapidamente desisto desse tema, desde quando sou comentarista de política, ainda mais internacional? Melhor algo mais leve, que não acirre ainda mais os ânimos já exaltados por aí. Já sei, uma história sobre chocolate. Esse fascinante produtor de serotonina (rsrs) bem que pode render uma boa história. Ou o vinho, que poderia ter me inspirado a criar nesta noite.

Dou uma longa bocejada, sinto os olhos arderem de sono. Não haverá outro jeito, terei de dormir. Não será hoje que irei me curar da ressaca criativa que me abateu há tempos. O tal do bloqueio é mais forte que imaginava. Onde foi parar a escrita leve, fluida, os dedos que se moviam quase como uma dança pelo teclado?

Lanço uma última encarada ao meu algoz. Algoz é termo masculino, mas é no feminino que ela se mostra. Ela venceu-me mais uma vez. Rendo-me a ela por mais uma noite. Vou dormir derrotada, mas ainda com esperanças. Perdi mais uma batalha, mas a guerra não. O jogo só termina quando acaba, vivo falando. Este jogo só irá terminar quando derrotar minha inimiga cruel: a tela que teima em ficar em branco. 

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